Redução da maioridade penal - dúvidas sobre a eficácia, aplicabilidade e possíveis divergências.

Redução da maioridade penal - dúvidas sobre a eficácia, aplicabilidade e possíveis divergências.

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL - DÚVIDAS SOBRE A EFICÁCIA, APLICABILIDADE E POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS .

 

                                                                                                             Por Mary Ângela Marques Bruno

 

É de conhecimento de todos que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,  inaugurou a teoria da atenção integral à criança e ao adolescente, mas na atualidade seria necessário que ficasse visível aos olhos de todos, o que este diploma legal, tem necessariamente feito para implementação dessa atenção integral, indispensável ao desenvolvimento do indivíduo em todos os seus mais diferentes aspectos.

É indiscutível o quanto nossas crianças e adolescentes têm sido negligenciados pela nossa sociedade, comunidade, pelo Estado e por seus familiares, aviltando o que preceitua o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA que os responsabiliza, simultaneamente, por essas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

A sociedade em que vivemos, a comunidade , bem como as famílias, na realidade tem assumido um papel de passividade  diante do mundo atual, de forma tal, a não assumirem para si as responsabilidades inerentes à promoção do bem comum ou do bem estar social.

O que podemos observar nitidamente é que a população como um todo, tem negligenciado e muito na formação do cidadão de bem e com isso, responsabilizando terceiros ou em muitas vezes o próprio Estado pelas mazelas da sociedade contemporânea.

Essa situação pode ser constatada facilmente, ao observarmos a postura de determinados pais, no que se refere à educação moral de seus filhos, ao transferirem, muitas vezes essa incumbência à escola e aos educadores.

Do outro lado, nos deparamos com o Poder público, que numa tendência de redução do Estado, de igual forma, acaba por negligenciar essa população, que não cresce e não se desenvolve, mas apenas tende a sobreviver, internalizando também esse pensamento massificado de responsabilização do outro. A educação não educa, a saúde não cuida e a assistência social e os mecanismos de controle e acompanhamento/reabilitação das famílias são totalmente inoperantes.

Nessa vertente, a redução da maioridade penal, vem a ser para muitos a solução apropriada e única existente, para que possamos frear a criminalidade que cresce dia a dia, entre nossas crianças e adolescentes, caracterizando o comportamento imediatista de uma sociedade.

A população clama por uma solução que não seja a longo prazo, que de certa forma, poderia inclusive dar bem mais resultados, mas sim por uma solução que nos traga resultados imediatos. E, aproveitando-se disso, muitos utilizam essa proposta como estratégia eleitoreira, não com intuito de dar solução à criminalidade, mas com o propósito exclusivo de promover candidatos nessa politicagem nefasta que arruína o nosso País.

Do  ponto de vista jurídico, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 228, sobre a inimputabilidade penal e esse artigo é considerado um direito individual, e mesmo não estando elencado no rol do artigo 5º deste dispositivo legal, tendo como consequência jurídica, à proteção pela imutabilidade que rege o artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal, as chamadas clausulas pétreas, que só podem sofrer alteração por proposta de Emenda Constitucional.

Essa não deveria ser uma solução utilizada para dar resposta à população e frear essa alta taxa de criminalidade, principalmente quando empregada separadamente. É necessário investir recursos públicos e efetivar políticas públicas no intuito de promover a verdadeira atenção integral à criança e ao adolescente, para propiciar o seu desenvolvimento moral, espiritual, educacional, ou seja, para promover a formação do cidadão de bem.

Entretanto, no ano em que o ECA (Estatuto da criança e do Adolescente) completa seus 25 (vinte e cinco) anos, a votação da maioridade penal, coloca em discussão os mecanismos de recuperação dos jovens infratores.

Esse debate ganhou destaque após a aprovação na Câmara, em primeira votação, de proposta da emenda constitucional que diminui de 18 para 16 anos a maioridade penal para crimes como estupro e homicídio doloso (aquele onde há a intenção de matar).

O tema vem dividindo não só a sociedade, mas também o Poder Judiciário, sendo que existem entendimentos em que a medida não inibirá a violência e ainda poderá incentivar o recrutamento de crianças mais novas. Por outro lado, o medo das consequências tem caráter essencial, para coibir crimes.

O Desembargador Doutor José Renato Nalini, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contrário à redução da maioridade penal afirmou em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo que “nem tudo o que o povo quer é o mais correto e ético”, de forma que defende mudanças no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e avalia que a juventude não  vai se atemorizar com ameaças legais.

Já, o Desembargador Doutor José Muiños Pinëiro Filho, integrante da comissão de reforma do Código Penal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, favorável à redução da maioridade penal, em entrevista ao mesmo jornal, afirma não ter dúvidas de que a diminuição da maioridade penal para 16 (dezesseis) anos vai criar um “inibidor” para a violência e que a tendência para o crime não guarda ligações com fatores econômicos ou sociais, mas, sim, com a “índole humana”.

As divergências de opiniões tendem a crescer, entretanto devemos sopesar o fato de que a maioridade penal foi fixada em 1940. E obviamente, “não podemos dizer que o jovem de 18 anos daquela época é o mesmo de hoje”. Nos dias de hoje o acesso à tecnologia e informação favorecem o desenvolvimento precoce dos adolescentes.

Desta forma, buscar-se-ia combater à impunidade que estimula a atividade delituosa, adequando o Brasil a uma tendência seguida por diversos países nos dias atuais.

Ademais, aos 16 anos, os jovens podem votar, sendo consenso que estão aptos a decidir o futuro do país, e, portanto, conscientes de suas opções individuais.

Portanto, a redução da maioridade penal será benéfica para punir adolescentes que cometem crimes pela certeza da impunidade, todavia, deve ser acompanhada de medidas sócio-educativas eficazes, para que o resultado não seja apenas o aumento da população carcerária, mas sim a diminuição da criminalidade.

De acordo com o entendimento do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), precisa ser revisto e adaptado à realidade atual. De forma que seria necessário reeducar e ressocializar o infrator, e, com isso justificaria ampliação do prazo de internação compulsória, desde que o crime e circunstâncias especiais, ao arbítrio do juiz, justificassem tal extensão. Lembrando ainda ser urgente e necessário cuidar dos perfis psicopatas ou sociopatas, que não pode permanecer sem custódia, e que não merecem o tratamento dispensado a outros menores que não representam a mesma periculosidade.

Para o Desembargador Doutor Renato Nalini, não podemos esperar que os jovens recuem, se estiverem dispostos a perseverar na senda da delinquência, pois a juventude sem freios inibitórios, totalmente entregues ao seu próprio descontrole, não se atemoriza com ameaças legais. Sabem que sua vida está a premio, que seu futuro não é róseo, e não elimina a hipótese de consentimento ao homicídio perpetrado pela polícia.

Mas,  as divergências de opinião crescem, e de acordo com o  entendimento do Desembargador José Muiños Piñeiro Filho, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o clamor social favorável a redução da maioridade penal é fruto da afronta à sociedade dos atos praticados pelos menores de 18 anos, tais como: homicídios, latrocínios, roubos, tráfico de entorpecentes, sequestros entre outros. Sente-se que há uma sensação de impunidade e todos esperam ansiosamente por uma resposta.

No Brasil de hoje, o jovem a partir dos 16 anos tem conhecimento e cognição para entender o que está praticando e suas consequências. Ele tem acesso a diferentes meios de informação e a tecnologia, mesmo que more em regiões ribeirinhas, em comunidades indígenas. E o jovem de hoje, ele não só participa de um crime, como ele é o chefe, o mentor de ações criminosas e por esse motivo, se ele tem capacidade de entender os atos, deve responder como criminoso.

Assevera ainda o  ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do RJ, que aquele que já praticava crimes, quando atingir os 18 anos seguirá praticando o mesmo crime e isso independem de terem nascido numa família rica ou pobre, pois cada qual tem o seu comportamento e a questão é a índole da pessoa, o que o direito não irá resolver, mas ele certamente, irá punir.

A educação precisa ser cuidada sempre, não só para impedir a redução para 16 anos. Os problemas sociais, por seu turno, que levam a criminalidade devem ser estudados, mas não podem jamais inibir a responsabilidade penal, que tem a ver com a capacidade de responder por um ato criminoso.

Para isso a sociedade terá de assumir o ônus da construção de presídios específicos, para que possamos ter uma punição mais rigorosa. Não bastaria apenas, reduzir a maioridade penal e não dar condições adequadas para ressocializar os jovens. O modelo desses lugares é o que está descrito no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, que precisa ser implementado de fato, com educação, profissionalização, acesso à cultura, assistência psicológica.

Se o poder público não garantir isso, o magistrado, com base na lei, irá mandar liberar o cidadão porque o sistema penitenciário não forneceu condições de ele ter benefícios legais (trabalho, escolarização) para redução da pena.

Em suma, a maioridade penal propicia questionamentos que vão muito além da redução da idade do menor. E apegando-se unicamente aos aspectos jurídicos, pode-se afirmar que tendo em vista o atual regime Constitucional pátrio, fere-se o princípio da dignidade humana. A questão da maioridade penal no Brasil , é um grande desafio e que dificilmente poderá ser resolvida de forma isolada.

Penso, contudo, que é preciso sopesar, se ficou comprovado que o Estado buscou, de todas as formas inibir a delinquência juvenil, então estará legitimada essa redução, aplicando-se para os menores entre 16 e 18 anos o critério biopsicológico, permitindo a punição (penal) do adolescente em determinados crimes (hediondos e equiparados), desde que, comprovado que no momento da conduta, tinha ele capacidade de entendimento e de autodeterminação.

 

Referências:

 

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