Leitura de Mundo: Apenas um ensaio

Leitura de Mundo: Apenas um ensaio

LEITURA DE MUNDO:

 “APENAS UM ENSAIO”

 

Mirian Menezes de Oliveira

Mestre em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação – UBC (Mogi das Cruzes -SP)

 

 

“O ato de viver é dispersivo, a experiência humana é diluída, as mais diferentes emoções e os mais diferentes sentidos se acumulam. Mas, no livro, é possível ver um mundo organizado, captar uma parcela da realidade. Quando isso acontece, é uma revelação.”

Jorge Miguel Marinho, escritor

 

 

No sentido etmológico, “ler” significa “colher”, “recolher”, ou, quem sabe, “escolher” significados. Pode-se afirmar que é um ato de abertura para o “mundo”, motivador de descobertas incríveis.  Para que ocorra, eficientemente, o ser humano deve se tornar observador, captando significados de letras, cenários, imagens, objetos e situações.

Para quem gosta de ler, qualquer hora é “momento de leitura” e o “mundo” é um grande e fascinante livro aberto, que inspira reflexões; promove aproximações de letras, imagens e sonhos; oferece textos de cores, formas e odores; transmuta-se em “laboratório” para escritores e poetas.

Em relação ao mundo letrado, quanto maior for o convívio das pessoas com livros e as diversas formas de expressão existentes, maior será o repertório linguístico e humano e também  maior a possibilidade de aprimoramento da capacidade leitora, entretanto, somente isso, não é suficiente. Há entrelinhas no mundo, na mídia, nos diálogos, nos “não-diálogos”, nos discursos proferidos pela imprensa falada e escrita, pelos textos propagandísticos, enfim, em todas as formas e tipos de expressões comunicativas.

Em relação à literatura e às artes, especificamente, um bom leitor reconhece o fato de que textos imagéticos “ou não” refletem ideologias e contextos sociais, intensificando o processo de construção de conhecimentos e de ativação de reflexões.

Podemos pensar na “leitura”, como um processo “escolarizado”, afinal de contas, a sociedade validou este movimento, entretanto, a “desescolarização” da leitura é possível e tem ocorrido com grande frequência, partindo de pessoas, ou instituições, que, verdadeiramente, consideram a leitura como primordial no processo de construção do “complexo espírito” humano.

Em qualquer contexto (seja “escolarizado” ou não!) a leitura extrapola o âmbito racional e mobiliza o ser como um todo. O próprio ato de ler, em sentido abrangente, incorpora três dimensões: sensação, emoção e razão (MARTINS, 1994), o que comprova o caráter múltiplo da percepção humana, no que se refere à vida e ao mundo. A Literatura, por sua complexidade, contribui na reelaboração da própria realidade e, como Arte, aliada a outros tipos de manifestações artísticas, pincela a alma em matizes diferentes... abre perspectivas...

PROENÇA FILHO (1990) faz referência à linguagem literária, como a que produz e “cria”. Por possuir caráter complexo, multissignificativo, plurissignificativo, variável, apresenta, papel importantíssimo, ao possibilitar diálogos entre as diversas áreas do conhecimento.

 Pautado nessas considerações iniciais, este ensaio fundamenta-se no princípio de que o prazer pela leitura exige: observação atenta, predisposição e imersão, sendo o espaço físico um importante componente. Ouso intitulá-lo de um gênero a ser lido, independente de sua vinculação ao espaço escolar. Há residências que possuem “nichos de leitura” encantados e encantadores, que são capazes de aninhar pequenos e grandes leitores.

Muitos podem se questionar: Como criar ambientes que propiciem esta imersão no universo leitor? Melhor... Como ler o mundo à nossa volta e cercar-se do gênero “espaço físico”, articulado à magia do “desejo de ler”?

Se focalizarmos as escolas, a complexidade “parece” ser um pouco menor, pelo menos, no “campo teórico”. Alguns itens são fundamentais e, se não constam, como objetivos de aprendizagem, em algumas diretrizes, seria desejável que constassem:

           

  • Oferecer condições para a realização de diferentes práticas de leitura no ambiente escolar, estabelecendo metas de aprendizagem para os alunos em relação ao domínio da leitura e da melhoria da produção escrita, a partir da formação continuada no “grupo-escola”.
  • Estimular o prazer pela leitura - professores, funcionários e comunidade.
  • Refletir com a equipe de trabalho sobre o espaço de leitura da sala de aula e outros espaços alternativos, visualizando possíveis melhorias.
  • Promover rodas de leitura entre professores e funcionários.
  • Ser modelo de leitor e tornar-se co-responsável na formação de leitores.
  • Realizar atividades de estímulo à leitura, em parceria com professores e comunidade.
  • Criar situações que envolvam a comunidade-escola no processo de leiturização.
  • Ler diariamente para os estudantes, possibilitando o acesso aos diferentes portadores de textos e planejar ações que estimulem o comportamento leitor.
  • Rever o espaço de Sala de aula, buscando alternativas para a criação de um ambiente estimulador à leitura.
  • Perseguir a “estética” nos espaços escolares.

 

Questão pessoal: “Onde se encontra a estética?”

 

Em relação ao mundo letrado, é fato que, quanto maior for o convívio das pessoas com livros e com diversos portadores de textos, maior será a chance de emergirem “leitores plenos”. O ambiente favorável é muito importante.

 

Além do desejável desfrutar de “nichos” de leitura, independente da idade cronológica e da inserção no universo escolar, o ser humano constrói “livros de ar”, como bem disse o autor Xosé A. Neira Cruz, em ocasião de uma palestra no 17º COLE (CONGRESSO NACIONAL DE LEITURA), promovido pela ALB (ASSOCIAÇÃO DE LEITURA DO BRASIL) – UNICAMP. Estes “livros de ar” são compostos por todas as histórias que ouvimos ao longo de nossas vidas, portanto, podemos inferir que o ato de “narrar histórias” estimula a formação de leitores e aguça a sensibilidade, oferecendo, através da oralidade, uma porta, escancaradamente, aberta para a leitura. O “ hálito” é componente de leitura.

Sobre esse assunto, temos belíssimas citações da grande contadora de histórias e escritora Cléo Busatto:

                                              

 

“O contador de histórias cria imagens no ar, materializando o verbo e transformando-se ele próprio nesta matéria fluida que é a palavra. / O contador de histórias empresta seu corpo, sua voz e seus afetos ao texto que ele narra, e o texto deixa de ser signo para se tornar significado.”

(BUSATO: p. 09, 2003)

 

 

 Somente para deixar um gostinho de “quero mais”, em um mundo repleto de dígitos, símbolos e teclas, o livro é um ser que não envelhece (Só precisa ser contextualizado e vivido!), entretanto, livros não desenvolvem rugas... A poeira e o amarelado conferem-lhe, muitas vezes, elementos atrativos, dependendo da situação gerada e vivida.

Das poucas palavras discorridas, soa bastante estranho para muitos leitores, o que será depositado neste ensaio, como considerações finais, mas acredito que é possível vislumbrar, com intensidade cada vez maior, pessoas que buscam aninhar-se entre livros e imagens, seja no lar, em Organizações Não-Governamentais, nas ruas, ou em espaços alternativos. É também enriquecedor o fato de que a literatura consiga conviver e se articular a outras linguagens, como o cinema, a música, a escultura, a pintura, a dança e ao mundo digital (Hoje escrevo colunas pela Internet... algo que jamais imaginei há alguns anos, sem deixar, entretanto, de publicar livros de papel!).

O mundo necessita, urgentemente, de ÉTICA e de ESTÉTICA, não no sentido banalizado e cultuado pelo “senso comum”, mas a ética e a estética, que emergem da profunda articulação entre corpo, mente e espírito.

É possível recriar espaços de vida, de maneira a tornarem-se agradáveis, confortáveis e propícios ao desenvolvimento do que há mais elevado no espírito humano.

Atualmente, não poucas vezes, deparamo-nos com iniciativas incríveis de “ambientação” do espaço-vida. Inúmeras são as tentativas de oferta de um mundo letrado, através desta aventura que se chama LER-VIVER-SER!

Para não cometer qualquer injustiça, pouparei o leitor, nesse momento de listas de grandes iniciativas, que tenho visto e ouvido pelo Brasil afora, mas acredito que, futuramente, deverei citar alguns desses notáveis trabalhos, que disseminam prazer por esse imenso e rico universo multicultural, chamado Brasil.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

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