A Violência Doméstica de Gênero

A Violência Doméstica de Gênero

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE GÊNERO

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 Doutora Fabiana Juvêncio                                                                                                                                                                                                               

Atualmente quando devemos opinar sobre o que parece escapar à ciência, sobre temas como o futuro da humanidade e o sentido da vida ou sobre nossa relação com a natureza e o significado da violência isso ocorre não porque nos entregamos à irracionalidade, mas porque a razão humana é interessada e enraizada na vida prática, na experiência moral e no transcurso da história (KANT, 1781/1985, p. 633-673).

Para Max Weber a teoria social desde a época em que escreveu ou, como defende Wallerstein (1999: 223 e ss.), o trio canónico da sociología – Weber, Marx e Durkheim construído somente após 1945, não podemos negar a sua importância. Ela advém não só do fato de o autor ter elaborado vários conceitos ainda hoje cruciais para a ciência social, mas também grandemente do seu posicionamento teórico.

Dessa maneira a palavra “violência” pode nos trazer alguns elementos que possam esclarecer a ideia proposta no estudo em contrusção. Há uma pluralidade de acepções para a palavra “violência” e o seu conceito é  considerado com uma certa amplitude por não existir um gênero e uma diferença específica que possam embasar  essa definição. Mas, buscaremos  o seu significado morfológico recorrendo a própria etimologia da violencia com procedência no substantivo latino violentiaae e significa veemência e impetuosidade e remete a vis, que significa força, o termo grego correspondente  pode significar força vital. A etimología mostra, portanto, um componente que pode ser estendido para o mundo vital não humano e até mesmo para fenômenos físicos, como é o caso da força do mar ou de uma tempestade. Mas há nessa extensão um elemento projetivo, antropomórfico, pois o substantivo latino violentia está ligado ao verbo violare, de onde provém “violar” significando também infringir, transgredir, profanar, tratar com irreverência coisas sagradas, devassar, como em “violar um segredo”, do mesmo modo que no grego o verbo violar também significa “transgressão (BAILLY, 1950; GAFFIOT, 1934; PEREIRA, 1951).

Sendo assim, Violência doméstica é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticada por agressor que conviva ou tenha convivido com a agredida, independentemente de coabitação (Art. 5º da lei Maria da Penha).

Ainda, entende-se  por violência o uso da força para produzir algum dano e por abuso a interação existente em uma relação de poder, em que a parte mais forte ocasiona danos físicos ou psicológicos a mais frágil. Na maioria das vezes as agressões partem dos próprios companheiros, e não há um nível sócio-econômico que defina o perfil do agressor que pode ser de qualquer classe social. E o segredo torna-se fundamental para a manutenção da violência dentro de casa, e é mantido por ameaça e seduções muitas vezes fazendo com que toda a família esteja aprisionada em uma relação de sofrimento (WEBER, 2005).

A violência doméstica é definida por Azevedo e Guerra (1995) como “todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis, contra criança e adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual, e ou psicológico à vitima  implica de um lado uma transgressão do poder/ dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” ( Apud WEBER, 2005)

Advoga ser o ápice da sociedade dos indivíduos. O maior grau de complexidade das relações sociais, a divisão do trabalho, a secularização do mundo, a disseminação das relações jurídicas fundamentam-se numa identidade pública e privada. As expectativas  políticas caminham na direção da constituição de uma esfera pública, em que as atividades políticas ganharam regulamentação normativa e a esfera privada se desdobra em uma esfera da intimidade (SENNETT, 1988). A violência é um instrumento necessário de imposição da ordem jurídica do soberano e o princípio motor das relações sociais. Nas democracias ocidentais, ela é tida como mal necessário (WEBER, 1984).

Para Weber que, define "um Estado é uma comunidade humana que se atribui o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido". Todavia, na contemporaneidade, "o direito ao emprego da coação física pode ser assumido por outras instituições à medida que o Estado permita", embora, o Estado seja a "fonte única do direto de recorrer à força" (WEBER, 2003, p.9).

Argumenta o autor que, embora a força não se constitua única do Estado, constitui-se em elemento específico deste. Para ele, o Estado moderno ou o Estado capitalista é uma instituição política caracterizada pela "relação de homens que dominam seus iguais", através da "violência legítima". Todavia, para que essa instituição dominadora exista, faz-se necessário que haja concordância por parte dos dominados com "a suposta autoridade dos poderes dominantes" (WEBER, 2003, p. 10).

A garantia da dominação, por parte do Estado moderno, dá-se a partir de três formas distintas: a) dominação tradicional, que segundo ele se fundamenta na "autoridade do passado eterno, ou seja, nos costumes consagrados por meio de validade imemorial e da disposição de respeitá-los; assim como a dominação tradicional exercida pelo patriarca ou pelo príncipe patrimonial de outrora"; b) dominação carismática, que tem como princípio "a devoção e a confiança absolutamente pessoais na relação, no heroísmo ou em outras qualidades de caráter eminentemente pessoal", a exemplo da dominação exercida pelo profeta ou mesmo no campo político pelo guerreiro eleito, pelo governante empossado por plebiscito, pelo grande demagogo e pelo chefe de um partido político; c) dominação legal, balizada na "crença da validade do estatuto legal e da competência funcional baseada em normas racionalmente definidas. "Essa se constitui na dominação exercida pelo moderno servidor do Estado e por todos os detentores do poder a ele assemelhados" (WEBER, 2003, p. 12 -11).

Classificadas por Weber como tipos ideais, essas três formas de dominação tendem a aparecer na estrutura do Estado de forma interligada, todavia ele considere que uma das características marcantes do Estado capitalista é apoiar-se na dominação legal. Ou seja, o domínio no Estado capitalista tem como substrato primordial o ordenamento jurídico, apoiado na centralização do poder nas mãos dos administradores, cuja mediatização vai se dar através da burocracia estatal (WEBER, 2003, p. 19).

A teoria social considera, com insistência, que a violência é a mais flagrante manifestação do poder político do Estado e uma das formas modernas desse poder tem relação com a burocracia, nas democracias de massa, e com o nacionalismo, nos regimes totalitários. Dentro do contexto da racionalização da cultura, do processo de produção capitalista, da empresa capitalista e dos contratos jurídicos, Max Weber vê como símbolo da racionalidade burocrática a dominação que o homem exerce sobre outro homem de maneira calculada e fria, segundo critérios que extrapolam os valores substantivos. O estado moderno somente existiria dentro de uma lógica de sujeições que são legitimadas pela crença na lei, na tradição ou no carisma. Para ele, “o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima. O Estado somente pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores” (WEBER, 1984: 57). O poder está presente sempre a chance afirmar minha vontade própria contra a resistência de outros. Nesse sentido, o Estado, ao reivindicar o monopólio do uso legítimo da força física, o faz na condição primordial de que a força deixe de ser exercida pela sociedade, pelos indivíduos, reduzindo assim as zonas de conflito e violência dentro de uma ordem social agora pacificada. O Estado, portanto, através do discurso e das práticas jurídicas, emergiu como instância privilegiada do uso da força física e da aplicação do direito. (WEBER, 1984: 56).

Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que afligem as mulheres e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. Dados da Fundação Perseu Abramo, resultantes de pesquisa realizada em 2001, denominada “A mulher nos espaços público e privado”, apontam que, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2006).

Ademais os efeitos da violência doméstica e familiar contra a mulher têm reflexos na sociedade e no Estado, mormente porque é um problema de saúde pública, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, tanto pela sua dimensão quanto pela gravidade das séquelas orgânicas e emocionais que produz (ALVES & FILHO, 1996 e 1998) podendo se manifestar de diferentes formas e nos mais diversos espaços da sociedade, independentemente da classe social, da idade, da raça/etnia, do tipo de cultura ou do grau de desenvolvimento econômico do país, gerando custos para os serviços de saúde espalhados pelo país (https://www.opas.org.br/cedoc/hpp/ml03/0329.pdf).

Os sociólogos Max Weber, N. Elias e H. Blummer deram contribuições importantes para pensarmos de uma forma dialética, assim como alguns psicólogos como Vigotsky, Allpot e Lewin abordaram de certa forma a construção dialética do sujeito. Weber, por exemplo, “dentro do conceito de ação social tenta integrar dentro do desenvolvimento de seu pensamento o social e o individual”. (apud REY, 1997:76).

O estudo presente busca discutir o fenômeno da violência doméstica de gênero, a partir da Lei Brasileira 11.340 instiuida  “Maria da Penha” e sacionada  em 07 de agosto de 2006.

É sabido que a violência é um problema de grande interesse sociológico e que preocupou os percusores da ciência. Longe de se tratar de fatos esporádicos, ou limitados ao âmbito individual, trata-se eminentemente de um fato social, na perspectiva durkheimiana do conceito de Max Weber. Vale a pena recorrer a Max Weber, em sua obra Economia e Sociedade, que apresentou a seguinte definição de lei:

 

“A lei existe quando há uma probabilidade de que a ordem seja mantida por um quadro específico de homens que usarão a força física ou psíquica com a intenção de obter conformidade com a ordem, ou impor sanções pela sua violação. A estrutura de toda ordem jurídica influi diretamente na distribuição do poder econômico ou qualquer outro, dentro de sua respectiva comunidade. Isso é válido para todas as ordens jurídicas e não apenas para o Estado. Em geral, entendemos por poder‟ a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outras que participam da ação” (WEBER, p.126)

 

Ainda assinala Weber que, fala da ordem jurídica como influindo na distribuição do poder. Isso significa que uma ordem jurídica, que assegura a prevalência das leis, tanto assegura poder a determinadas classes ou categorias sociais, quanto retira poder, no seio de uma determinada comunidade. Uma lei que restringe o poder masculino sobre o corpo feminino, em tese, estaria redistribuindo poder em favor das mulheres. A citação também chama a atenção que a lei determina que os mantenedores da ordem social são aqueles membros do quadro social específico a quem cabe o poder de impor a ordem legal, inclusive pela força física, daí o grande poder associado às leis. Não é qualquer um que pode impor a vontade a outrem pela força, a seu bel-prazer de acordo com o mesmo autor.

Podemos tomar como exemplo da banalização que ainda persiste da violência contra a mulher na sociedade paraense, o caso de uma adolescente de 15 anos que foi presa acusada de furto, na cidade de Abaetetuba, Pará, Brasil, na mesma cela com aproximadamente 40 presos homens. À medida que os detalhes do caso vinham sendo divulgados, mais aparecia que o sistema penal e judiciário era marcado pela barbárie, o que gerou reações políticas até no exterior. Segundo informações da policía local divulgdo no jornal local, e segundo ele, a garota sofreu abuso sexual por parte de pelo menos seis presos, foi torturada com queimaduras de cigarro, sem contar que tinha que se prostituir para se alimentar  (www.diariodoapra.com.br).

Por conseguinete, em natureza de ocorrência em violência doméstica de gênero é sabido que, à violência física acometida pelos sujeitos agressores, e, que, cometem, também, a violência psicológica. Sendo está considerada em uma  atitude que cause à vítima dano emocional e diminuição da autoestima ou que vise controlar, restringir, constranger ou limitar às ações da mulher ainda segundo o mesmo jornal.

Max Weber, elaborou o conceito de ação social para captar o sentido das ações praticadas pelos atores sociais. Para o autor de Economia e Sociedade (1994) a ação social e orientada pela conduta do outro. Por isso a sociologia, para Weber, busca compreender e interpretar o sentido, o desenvolvimento e os efeitos da conduta de um ou mais indivíduos referida a outro ou outros. Dependendo do grau de racionalidade contida na ação haverá maior ou menor compreensibilidade da mesma na explicação sociológica:

 

(...) somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia, a qual constrói tipos ou modelos explicativos abstratos para cuja construção levam-se em conta tanto as conexões de sentido racionais, cuja interpretação se dá como maior evidência, quando as não-racionais, sobre as quais a interpretação alcança menor clareza. (QUINTANEIRO, 2002, p. 115).

 

Percebendo as diferentes maneiras dos atores sociais agirem em sociedade Weber (1994) estabeleceu quatro tipos puros de ação. São elas: 1) a ação racional referente a fins, 2) a ação racional referente a valores, 3) a ação afetiva ou emocional e 4) ação tradicional. As duas primeiras são entendidas como racionais porque os agentes destas sempre levam em consideração os fins últimos da sua conduta. Já a ação racional referente a valores pode ser exemplificada pelas condutas que primam pelas suas convicções, sendo fiel a valores que os sujeitos dessa ação prezam como a honra, a dignidade, a honestidade. As duas últimas não são consideradas racionais por Weber porque não são orientadas de maneira significativamente consciente pelo seu agente. Dessa forma, a ação afetiva ocorre quando o sujeito age de acordo com suas emoções imediatas como a vingança, o desespero, a admiração, o orgulho, o medo, o entusiasmo e etc. A ação tradicional ocorre por meio de hábitos e costumes arraigados, geralmente, é uma reação a estímulos habituais, sendo a maioria das ações cotidianas habituais desse tipo segundo Weber.

Aduz Max Weber que,  o crime passional pode ser entendido tanto por meio da ação racional referente a valores, como também, pela ação afetiva ou emocional. Isso porque cada caso apresenta certas especificidades que os diferenciam entre sí. É importante salientar que nesse caso o outro tipo de ação também se faz presente, não podemos esquecer que Weber nos alertou sobre o fato da realidade ser mais complexa do que uma classificação de ações

Consideramos, dessa maneira, as contribuições teóricas deixadas por Bourdieu (2003) que vêm a somar a compreensão das construções de gênero e patriarcado como aspectos da cultura, internalizados dentro do próprio sujeito, efetivando-se como uma relação dialética e possuem implicações na violencia doméstica contra mulher.

Violência de gênero, nesse estudo, não fundamenta-se nas diferenças dos sexos dos envolvidos, mas embasa-se nas relações entre homens e mulheres em situações intimas.  Para tanto, o uso da justiça e do exercício do poder. As principais contribuições da pesquisa, deve-se a classificação dos fatores que aparentemente estavam presentes na maior parte das agressões definidos como fatores condicionantes (opressão socioeconômica; discriminação da mulher na família, na justiça, etc.; a ideologia machista; educação diferenciada; representação das relações entre os sexos) fatores precipitantes (álcool, tóxicos e estresse), concluindo que nenhum destes fatores pode ser apontado como causa unívoca da violência, podendo contudo influenciar em sua ocorrência para Azevedo (1985). A autora sugere que a violência contra a mulher é de natureza sexista, “(...) um exercício perverso da dominação do macho sobre a fêmea” (AZEVEDO, 1985: 24) e defende uma visão pautada no modelo dominação-submissão que atribui à mulher o papel de vítima e ao homem a responsabilidade pela violência. Nessa abordagem haveria poucas oportunidades de libertação da mulher, uma vez que em nenhuma situação ela seria capaz de se manifestar contra o poder masculino de cordo com o mesmo autor.