A Luta pelo Direito - por Mário de Méroe

A Luta pelo Direito - por Mário de Méroe

A Luta pelo Direito[1]

(Rudolf von Ihering)

Texto Integral, Centauro Editora, 2002), com apresentação de Mário de Méroe.

 

 

Apresentação

 

Digna de encômios, esta iniciativa da Editora Centauro, de franquear aos estudiosos uma versão universitária do clássico “A Luta pelo Direito”, do saudoso von Ihering.

Conceituada pelo barão de Laveleye como a “Bíblia da Humanidade Civilizada” e sobejamente conhecida, a obra de von Ihering em muito contribuiu para dar concretude ao positivismo jurídico, discorrendo sobre a finalidade útil, em termos sociais, da ordem jurídica estabelecida, e as etapas de sua evolução, até tornar-se o esteio do Estado de Direito. 

Sua doutrina não se constitui em encorajamento ou induzimento à emulação, nem a disputas oportunísticas; antes, é um alerta sobre a necessidade de constante vigilância sobre as fronteiras jurídicas e morais, que delimitam a convivência humana.

O aforismo “dormentibus non sucurrit ius” (o Direito não dá guarida ao negligente) parece ter grande afinidade com o pensamento de von Ihering, realçado em síntese, citação final:

 

“Tal é a conclusão aceita atualmente

Só deve merecer a liberdade e a vida

Quem para as conservar luta constantemente”[2]

 

Mas a luta pelos direitos pressupõe que esses sejam suficientemente conhecidos por quem os reclama, sob pena de alentar uma irresignação sem procedência ou base legal.

Sabemos que o Direito comporta classificações, nem sempre unânimes entre os renomados expositores doutrinários. Para a finalidade singular desta apresentação, podemos conceituar, em síntese, dois grandes grupos:

 

a)    Direito Objetivo, como o instrumental que alicerça o ordenamento jurídico do Estado, que o impõe, coercitivamente, aos administrados;

b)    b) Direito Subjetivo, como a faculdade conferida ao cidadão, de exigir do Estado o cumprimento e a efetivação da norma jurídica objetiva que acautele seus interesses legalmente tutelados.

 

Entretanto, as excelentes construções doutrinárias, e bem assim, os Códigos e todo o instrumental judiciário, jurídico e legal à disposição do cidadão, não acodem automaticamente em sua defesa, necessitando ser acionados pela via adequada, para entrar em funcionamento.

Para que a “luta pelo direito” resulte eficaz, com aproveitamento para o interessado e a manutenção da paz pública, há necessidade da atuação dos chamados operadores do direito, que são os advogados[3], os membros do Ministério Público e o Poder Judiciário, este atuando como o fiel da balança, e que prolatará a decisão final sobre o litígio.

Ao contrário do que ocorre com um aparelhamento mecânico, que paralisa seu funcionamento ao sofrer avaria em alguma de suas peças, a estrutura jurídica e os órgãos judiciários não se ressentem de nenhum abalo em seu funcionamento, mesmo em presença da mais cruel violação de direitos. E isto porque a inércia, isto é, o funcionamento condicionado à provocação das partes (aqui incluídos os procedimentos e iniciativas de ofício), é princípio basilar das estruturas judiciárias.

Tal porém não ocorre com o cidadão: se este se descuidar na defesa de seu interesse protegido por lei; se em tempo hábil não adotar as providências cabíveis para acautelar seu patrimônio material ou pessoal, poderá vir a ser despojado do direito de fazê-lo, pelo decurso do prazo previsto por lei para a iniciativa. O Estado pretende, assim, evitar a eternização de ressentimentos e conflitos, limitando, no tempo, sua periculosidade latente. A máquina estatal impõe prazos para ser acionada, findos os quais assomam os efeitos da decadência ou prescrição, lato sensu, o que sepultará a pretensão, mesmo legítima, em razão da inércia de seu titular.

Daí o precioso alerta de von Ihering, ao comparar o curso da vida do Direito com a duração de uma luta, onde cada contendor é instado a sustentar ou a defender seu Direito, para atingir o equilíbrio desejável e justo, com vistas à pacificação social.



[1] Texto inicial da edição brasileira lançada pela Centauro Editora, 2002, com apresentação de Mário de Méroe.

[2] GOETHE, Fausto, 2ª parte, pág. 435, edição alemã Stuttgart, 1851.

[3] A Constituição Federal, em seu art. 133, alçou o advogado à condição de “essencial à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações”, quando do exercício regular e legítimo da advocacia.