Hobbes e Spinoza: Diferenças de Potencial

Hobbes e Spinoza: Diferenças de Potencial

Hobbes e Spinoza: diferenças filosóficas de potencial

 

O presente trabalho tem por objetivo apontar os contrastes e as diferenças na Filosofia Política de dois grandes pensadores: Baruch Spinoza (1632/1677) e Thomas Hobbes (1588/1679). A partir de uma revisão de literatura das obras Ética, e Tratado Teológico-Político de Spinoza, e Do Cidadão e Leviatã, de Hobbes; de artigos acadêmicos que comparam os dois filósofos, e no rastro da leitura de dois intérpretes de Spinoza: Marilena Chauí e Gilles Deleuze, apresentaremos os principais conceitos utilizados tanto por Hobbes como por Spinoza, entendidos aqui, como eixos de pensamento que são frequentemente problematizados nas duas Filosofias e nitidamente demonstram as diferentes inflexões das duas filosofias. São eles: Direito Natural, Potência, Livre Arbítrio, Estado de Natureza/Estado Civil, Povo, Multidão, História e Espírito.

Há um conflito na Filosofia Política do Séc. XVII que de algum modo pode ser percebido em posturas da Filosofia Contemporânea, embate esse não inteiramente declarado, tendo em vista se tratar de divergentes e antagônicas concepções do político.

De um lado a posição de Hobbes, partidário do político concebendo-o como algo absoluto, instituído e finalizado, que dá um formato terminado para a sociedade, ‘de uma vez para sempre’; na outra vertente, a posição de Spinoza, enxergando no político como um permanente jogo, constante, instituinte em uma nunca acabada formação societária.

Apurar as diferenças requer cuidadoso estudo, pois na leitura de boa parte do Leviatã, verifica-se raciocínios semelhantes dos dois filósofos, posto que ambos entendem como necessário a presença de um poder soberano para representar seus súditos, e consequentemente a formação de um Estado Civil.

Os dois autores partem da ideia de Direito Natural, sendo este, a pedra angular para o estabelecimento de regimes de governo. Hobbes, ao demonstrar sua hipótese quanto à possibilidade de cooperação mútua entre os homens, define direito natural como uma instância primeira de autopreservação, legitimando a todos os homens, os meios e esforços possíveis para conservar a vida, defender a si mesmo e seus membros, reivindicar para si todas as coisas que estiverem ao seu alcance. Spinoza parece corroborar este ponto inicial da tese hobbesiana, no entanto, perceberemos que a diferença entre ambos está menos em uma perspectiva intelectualista, do que em uma diferença de tonalidade afetiva. Essa gradação de nuance parece distanciar Spinoza de Hobbes e dos teóricos contratualistas.

No Tratado Teológico-Político, Spinoza define direito natural como sendo as regras da natureza de cada indivíduo, segundo as quais concebe-se qualquer ser como naturalmente dotado e determinado a perseverar e a agir de uma certa maneira. Aqui, o filósofo holandês, entende direito natural como uma lei suprema da natureza, ela não serve de base para a constituição de uma sociedade civil. O direito natural para Spinoza não é fundamento, ele é causa sui em sua perseverança, desse modo sendo repristinado no Estado civil.

Percebemos, agora, como as nuances que pareciam sutis começam a ter maior nitidez; para a concepção spinozista, o estado de natureza não deixou de ser quando estatuída a sociedade civil. A sociedade civil é o estado de natureza em uma outra configuração, e o Estado somente aparece como consequência dessa lei suprema que é o direito natural.

O tratamento na formulação spinozana segue uma vertente irreconciliável com a corrente contratualista. Hobbes vê o direito natural do ponto de vista eminentemente reativo, como a expressão mais baixa da potência humana, meramente a conservação biológica da espécie. O contrato social, por meio do pacto, é uma tentativa de cooperação humana fundada inteiramente no medo recíproco dos homens em seu estado selvagem, abdicando do de seus direitos naturais ao delega-los a um soberano.

Hobbes, sem dúvida, cuidadoso em seu argumento, explica mais adiante que se trata de uma transferência dos direitos naturais, impossível de delega-los em absoluto. Tal ponderação, entretanto, não o aproxima de Spinoza, pois o filósofo inglês, opera com uma oposição dialética: estado de natureza/estado civil, são conceitos auto excludentes, de maneira alguma um continuum.

O tom afetivo da filosofia do contratualista de Malmesbury (Hobbes) parece não enxergar o direito natural como uma potência de criação, emprestando-lhe somente dimensões reativas como a finalidade, utilidade, competição por interesses, disputas por vãs glórias. Para o filósofo de Amsterdã, essas categorias dizem respeito somente a um dos modos do direito natural, a conservação.

Outro ponto: Na formulação hobbesiana, a sociedade civil organizada só passa a ser estabelecida por força do contrato social, mas para atingir tais metas e garantir o cumprimento de suas leis e determinações é necessário o poder de coerção.

Pois a depravação da natureza humana é manifesta a todos, e pela experiência se sabe muito bem, bem demais até, em que pequena medida os homens se atêm aos seus deveres com base só na consciência de suas promessas, isto é, naquilo que resta se for removida a punição. ”[1]

O medo recíproco, e a detonação de um estado de guerra incontrolável, foram de fato vivenciados por Hobbes, pois em sua época muitos nobres foram executados. Essas marcas o forçaram a construir toda uma filosofia como uma expressão condensada de todo esse ressentimento, um sintoma de uma época na história do pensamento.

Spinoza tal como Hobbes, compartilha a noção da relevância da obediência civil, porém sua filosofia incorpora um conceito novo, que escapa ao arcabouço, o conatus:

De acordo com Spinoza, "cada coisa, à medida que existe em si, esforça-se para perseverar em seu ser " (Ética, parte 3, prop. 6).[2]

Não pretendemos aqui explorar as minúcias e todos os desdobramentos da filosofia spinozista, mas adiantamo-nos em ressaltar que o conatus é central em suas teses.

Os homens não cooperam por força da coerção, mas pela potência da multidão, os homens-conatus, preservados em seus direitos à guerra, embora em permanente tensão, almejam para seus próprios interesses a um acordo, mas sob a égide de seus conflitos internos. As forças coercitivas do estado tenderiam a reduzir o direito natural, restringindo o conatus, ou seja, a potência individuante criadora de cada um.

Em um trabalho desenvolvido sobre Spinoza, que culminou no livro Spinoza Filosofia Prática, Gilles Deleuze elaborou uma sessão dedicada ao estudo dos vocábulos empregados na filosofia spinozista, particularmente na obra Ética. Na interpretação deleuziana, toda a Ética se mostra como um esforço teorizante do ponto de vista da potência em oposição à moral como teoria dos deveres.

Concebendo conatus como estado de potência, essa potência está sempre em ato, e sua potência de agir depende das condições externas, dos encontros com outros seres dotados de potência e ao sabor dos afetos e afecções que o determinam de fora. Os homens, como seres dotados de graus diferenciados de potência, tendem a perseverar e aumentar sua potência de agir.

Esse esforço por perseverar e elevar seu potencial experimentando afecções alegres, é alcançado na medida em que os homens organizam seus encontros. Trata-se de um esforço entre os outros homens, de encontrar aqueles que convém a sua natureza e se compor com eles; os encontros podem se dar fortuitamente, porém, o aumento da potência ou conatus, implica na ação um esforço, de encontrar os aspectos pelos quais se convém e se compõe com ele.

O esforço de tal homem perseverando no seu grau de potência, em conjunto a outros homens, é o esforço da cidade, potentia multitudo (potência da multidão).

Hobbes, parece alheio a essas causas, principalmente porque entende direito natural rigidamente como uma maneira de autodefesa, em defesa de seus interesses próprios. Os homens do ponto de vista hobbesiano, em seu estado da natureza, querem o melhor para si mesmos, em uma configuração inteiramente reativa de forças/afetos buscando somente a vã glória, reconhecimento e fama. Tendo em vista a prevalência dessas afecções que restringem a ação da potência individuante, Hobbes recorre ao medo, como único anteparo para refrear impulsos selvagens que nos colocariam em um estado indomável de vandalismo.

Foi o conceito spinozano de conatus, que complicou a tese de Hobbes, pois a propensão a disputa por interesses mesquinhos, benefícios materiais ou morais, não é causa eficiente, não se dá por conhecimento formal das coisas, dos signos que nos entremeiam, são ideias inadequadas conforme Spinoza.

Não somente o Estado, mas até a religião teria sua eficácia, enquanto possuidora de controle, entidade capaz de domesticar os homens, subjugando-os sempre pelo medo, com a punição divina. Bem diferente é a religião para Spinoza que rejeita o caráter de obediência a um Deus, retirando-lhe qualquer poder análogo ao poder de um tirano. Deus em Spinoza não é vontade, e está despojado de suas construções teológicas.

No capítulo 34 do Leviatã, ao fazer um exame da palavra espírito, recorrendo à origem hebraica da palavra, e aos usos que se faz desse vocábulo na Bíblia, percebemos como Deus na acepção hobbesiana é diferente[3]. Deus é antropomorfizado, emprestando-lhe a forma de um príncipe esclarecido que reina sobre o mundo dos homens, e principalmente como um agente criador da natureza.

Não iremos nos deter aos diversos exames que Hobbes opera nas passagens bíblicas, pretendemo-nos deduzir que suas análises embora retoricamente se assemelham as de Spinoza tanto nos princípios da origem quanto ao uso da palavra espírito, sua conclusão é a de um Deus à parte deste mundo, transcendente, um ser organiza a vida e os elementos da Terra, no entanto, não pode ser deste mundo.

Quanto a palavra espírito, inicialmente ambos estão muito próximos, pois partindo da palavra hebraica ruagh, espírito significa vento, e depois deste esclarecimento terminológico, os dois filósofos passam a discorrer sobre os usos das expressões na Bíblica comumente usadas pelos homens, como espírito de Deus, espírito de sabedoria, espírito de paz. A diferença reside no fato de que para Hobbes, tudo é corpo, o pensamento, logo o espírito, são o aspecto mais sutil da matéria extensa, Hobbes diz que o corpo é pensante, pois a natureza inteira é corpórea, e o pensamento não passa de um movimento sutil do corpo, imperceptível aos nossos sentidos e Deus é um agente exterior; Spinoza Deus e natureza são o mesmo, Deus não está acima da natureza, Deus é natureza. E Deus não pertence a um plano externo a esse mundo, e é potência infinitamente infinita. A filosofia de Spinoza na prática, investe o homem, como um modo existente que se exprime pelos atributos extensão (corpo) e mente (pensamento), que não são outra coisa senão planos heterogêneos de uma única e mesma substância (Deus).

Perceberemos agora, mais acentuadamente, a diferença de tom afetiva entre os dois filósofos, na interpretação da posição de cada um deles, a respeito de qual seria o melhor regime de governo. Para Hobbes, a monarquia; Spinoza, a democracia.

O raciocínio do pensador de Malmesbury é um verdadeiro sintoma do terror de sua época, a sociedade de seu tempo era assombrada pelas guerras civis, e a multidão incontrolável era um perigo eminente. Hobbes foi espectador da morte de dois reis, o assassinato de Henrique IV na França, e a execução de Carlos I, na Inglaterra. Por essa razão sua filosofia expressa um grande esforço teórico em sólidas bases, capazes de assegurar a paz e segurança da comunidade, esconjurando o perigo representado por uma multiplicidade de homens com vontades conflituosas entre si, cada qual perseverando em seu próprio direito em se valer de todos os meios para obter os mesmos fins.[4]

O temor à multidão o leva a distinguir multidão e povo. Multidão não passa de uma multiplicidade de indivíduos, e cada um de seus membros tem vontades distintas e irreconciliáveis. O conflito é inevitável, visto que cada uma anseia igualmente pelos seus direitos, a manutenção do lar, os bens, benefícios e uma vida segura. Povo, ele entende por uma vontade unificada, expressa através de um soberano ou uma assembleia qualificada de homens. Para ele, portanto, na monarquia o Rei é o povo, e os súditos, a multidão.

Notamos nessas poucas palavras que os elementos de sua teoria estão todos atravessados pelo medo de uma guerra civil, o que o faz reificar o direito natural de cada homem como objeto, coisa ou posse.

A multidão não pode ser considerada um agente de vontade política, pois não compõe uma unidade, o que a impede de ser expressão de uma coletividade. A unidade só pode ser obtida através de um Pacto, em que cada homem cede seu direito a um homem ou assembleia de homens, transferindo seu direito natural e autorizando todas suas decisões.

Nesse acordo, ocorre uma migração da multidão em relação ao agente público que a represente, e sua total nulidade ao abdicar do seu direito natural de resistência frente ao poder soberano.

Hobbes vislumbra muito perigo na multiplicidade de vontades e no conflito que advém como a consequência do desejo imoderado de poder de cada um, necessitando um acordo para refrear o impulso das paixões humanas. O pacto assim, só pode ser instituído sob ameaça constante de punição por um poder coercitivo.

O filósofo interioriza o ressentimento ao delegar às causas humanas a crise dos governos, a incapacidade de auto-organização frente aos conflitos de natureza humana. A operação do pacto hobbesiano consistiria em expurgar as paixões do espaço público criando um estado repressor em função da manutenção da paz e segurança.

Spinoza difere em duas vertentes: ele preserva inabalavelmente o direito natural e elabora outro constructo teórico de multidão.

A qualificação positivada de um novo conceito de multidão aparece na sua última obra Tratado Político, derivando-a como fundamento central da soberania. Empresta ao termo multidão, o conatus, conceito que fora desenvolvido na Ética, com o suporte desse termo, sua filosofia, consegue apreender os desejos e paixões como potências instituintes de perseverança na vida social; importante, ele não nega o conflito, e chega a afirmar que os homens são inimigos por natureza, mas desse conflito suas lentes enxerga as condições naturais de sociabilização.

O que mais o distancia da assertiva hobbesiana é que apesar de reconhecer o conflito, não conclui a multidão como impotente frente ao estado de natureza, e o estado civil não é outra coisa a potência coletiva da multidão organiza em associações e alianças, recusando assim sua dimensão individualista e atomística dominante em sua época, além de superar o contratualismo. A vida política é construída pela potência coletiva, que já não é somente o direito natural de cada um, mas da multidão, que agindo como uma só mente erige o poder soberano. Embora Spinoza posicione a democracia como o mais espontâneo dos regimes, o princípio de potência coletiva serve também aos outros regimes: monarquia e aristocracia.

Em relação ao direito natural, Spinoza conserva o direito natural no interior do estado civil e no regime de governo.

Em uma carta ele diz:

No que se refere à política, a diferença entre mim e Hobbes, acerca da qual me questionas, consiste nisso: que eu conservo sempre incólume o direito natural e afirmo que, em qualquer cidade, a autoridade suprema só detém direitos sobre seus súditos na medida em que seu poder supera o destes; o que tem lugar sempre no estado natural.[5]

Examinando-se de perto as duas correntes filosóficas, as diferenças tendem a se alargar; vejamos agora no que diz respeito ao conceito teológico de livre-arbítrio.

Hobbes, na esteira da moral dominante, endossa as críticas às paixões e desejos humanos, e quer fazer valer o controle dos vícios por meio do contrato social. Spinoza não interioriza o desejo, e os chamados vícios são inseparáveis da natureza; assim rejeita a ideia de que os homens se baseando na sua reta razão, afastam-se das paixões que os induziriam ao caminho errado. Para Spinoza não se trata de uma escolha, pois esta depende da vontade, a qual, no seu entender, não é livre.

A crença no livre-arbítrio se apoia no nexo causal liberdade/vontade, que Spinoza desfaz substituindo-o por liberdade/necessidade. Os homens pensam que agem livremente porque estão conscientes somente dos efeitos de seus esforços, porém continuam ignorantes quanto as verdadeiras causas que estimulam suas ações; a ideia inadequada de suas paixões os faz acreditarem que podem decidir entre o bem e mal.

Em vez da proposição: eu me esforço por uma coisa porque ela é boa e me desvio de outra porque é má, como quer o nexo tradicional (liberdade/vontade), na positivação das paixões e desejos, é exatamente o contrário: o desejo que remete ao esforço por uma coisa que a torna boa (liberdade/necessidade). A liberdade não depende de algo que a regule como a vontade (finalidade), ela é inseparável da essência de nossa natureza, ou seja, se reporta ao nosso grau de potência, o quanto somos capazes de agir, afetar e ser afetado

Como então se engendra o Estado? É a potência da multidão auto organizada que cria o Estado, não pelo medo como quer Hobbes, mas pela necessidade cooperação recíproca. O estado civil não anula o estado de natureza, eles existem ao mesmo tempo, melhor ainda, ele é o responsável pela a efetivação real do direito natural (sem um estado civil que o faça operar, o direito natural é uma ideia puramente abstrata, pois no estado de natureza, sem a cooperação dos demais, um homem isolado é impotente para efetivá-lo frente as forças externas que o atravessam.

Na formação do Estado ocorre sem dúvida, a articulação dos direitos natural e civis, pois a existência da ordem civil está submetida a regras e leis, que não são outra coisa senão o exercício legal da vontade da multidão e seu direito natural. A cooperação tende a estabelecer reciprocamente direitos comuns entre os homens, nunca contrariando, mas coexistindo com seus direitos naturais.

 O limite do poder um estado está no direito natural e potência dos seus cidadãos, e um poder soberano quando legisla não faz e nome do direito civil, mas do direito inato dos seus cidadãos, o direito de guerra. Quando o Estado deixa de observar os fins pelos quais foi criado, ou seja, segurança, estabilidade e paz, a multidão que havia transferido o exercício pleno de seus direitos em favor de um pacto, deve violá-la, perdendo o pacto assim a sua eficácia.

 

Concluímos este breve estudo ao demonstrar alguns dos conceitos em que se realçam as inflexões de ambos filósofos, como: direito natural, povo, multidão, espírito e livre-arbítrio.

Aparentemente o direito natural significa a mesma coisa para os dois, pois legitimam o máximo esforço do homem para preservar a materialidade de sua vida, como o corpo, seus bens e propriedade, e utilizar de todos os meios conhecidos para obter os fins desejados, bem como suprir o mais elevado anseio concebido pelo seu estado de natureza. O contraponto, é que Hobbes, como dizemos na exposição acima, interpreta o todo desse direito natural como instância reativa, traduzindo-o em uma única direção possível – soberba pelo poder, riqueza e honrarias, paralisando sua análise em uma ordem moral.

Spinoza não nega a parcela reativa do mesmo direito natural, e trata dessas fragilidades humanas nas partes iniciais do Tratado Teológico Político, porém não estatui apressadamente que os homens não possam se organizar e se compor em outras relações de cooperação. Esse ato em Spinoza é uma constante, permanece inacabado, enquanto os indivíduos perseveram em seu estado de natureza.

Hobbes, quer o fechamento, através de uma fórmula perfeitamente terminada, na qual os indivíduos só se respeitam transidos pelo meio, tencionados por uma força coercitiva externa, tornando-se meros servidores do Estado. Spinoza, no entanto, diz que o direito natural mesmo quando tolhido pelo medo, não pode deixar de existir, ainda que reduzido ao seu grau mínimo, ele jamais cessa, e não há transferência total e nem parcial, o indivíduo não pode abandoná-lo. A sua filosofia assim denuncia os problemas gerados por intermédio do contrato artificial da tese hobbesiana, apontando ali, o quanto as forças repressivas do Estado podem afetar, diminuindo o direito de resistência dos cidadãos, ou seja, sua capacidade de agir. Através nessa crítica, notamos a posição spinozista contra toda e qualquer transcendência. Não somente em relação a Deus, mas também na forma de governo, pois o poder de um soberano é uma relação de composição inacabada da potência coletiva de seus súditos, ao invés acima dela. E não opta pelo bloqueio desta como quer Hobbes, mas defende a liberdade política, como instância natural.

 

 

 

Referências Bibliográficas

Chauí, Marilena. Política em Espinosa. Ed. Cia. das Letras, São Paulo,

2003.

Deleuze, Gilles. Espinosa, filosofia prática. Ed. Escuta, São Paulo, 2002.

Gomes, Débora. A Noção Hobbesiana de Estado de Natureza e a Teoria Política de Spinoza. Revista do Seminário dos Alunos do PPGLM/UFRJ: n.2, p.1-13, 2011

HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo, Martins Fontes, 1998

HOBBES, Thomas. Leviatã. (Tradução de João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva e Cláudia Berliner.) 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Resende Martinho, Amanda. B. de Spinoza e o Pensamento Jurídico e Ético-Político Moderno e Contemporâneo. Departamento de Direito, PUC-RIO,2011.

Persch, Luís. Sérgio. A intepretação da palavra bíblica “espírito” por Hobbes e Espinosa. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, v.16, n.28, jan./jun. 2016, p.231-245.

Spinoza, Baruch de. Ética. Edição bilíngue Latim-Português. Tradução: Grupos de Estudos Spinozanos. Coordenação: Marilena Chauí. São Paulo: Edusp, 2015

Spinoza, Baruch de. Tratado Teológico Político, ed. Martins Fontes, São

Paulo, 2003.

 



[1] Hobbes, Thomas. Do Cidadão, São Paulo: Martins Fontes,2002. p.103

[2] Spinoza, Baruch. Ética, São Paulo: Edusp,2015. p.251

[3] As Escrituras foram escritas para mostrar aos homens o reino de Deus, e preparar seus espíritos para tornarem seus súditos obedientes; deixando o mundo, e a filosofia a ele referente, às disputas dos homens, pelo exercício de sua razão natural (HOBBES, 1979, p.49).

[4] BARRETO, Ana Cláudia G.; BILATE, Danilo; BARROS, Tiago M. da S. (org.).

Spinoza & Nietzsche: filósofos contra a tradição. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011.

[5] Spinoza, Baruch. Epistolário. Trad. Oscar Cohen. Buenos Aires: Sociedade Hebraica Argentina, 1950, Carta L, p. 155-156