Canto e memória da morte em Alameda, surpreende leitor

Canto e memória da morte em Alameda, surpreende leitor

A morte e seus mistérios com a autora Astrid Cabral

Por Alexandra Vieira de Almeida –

Doutora em Literatura Comparada (UERJ)

 

            Tenho um livro de contos à mão ou seria melhor uma obra de cantos? Os textos de Alameda constroem o rico jogo textual com a morte. A face do ser percorrendo os labirintos da vegetação, suas emoções, medos, receios, frente aos limites do mundo à sua volta ou às próprias desditas do homem, que corta como lâmina o brilho da natureza. Cultura e natureza, ser e vegetação, os mundos que se intercalam, sem se saber quem ou o quê fala, a humanidade ou a natura. A simbiose homem/natureza nos serve para adentrar o universo dos limites. Emily Dickinson era mestra na arte de discursar sobre a morte, que como deusa destruía tudo o que nos era amado e conhecido. Aqui, em Astrid a memória vegetal da morte, suas reminiscências vislumbram o que era pleno e habitado pelos cantos líricos das plantas, de seu mundo belo e poetizado, um Paraíso longínquo a servir de morada para este reino vegetal: “Mudaria em definitivo para o jardim do VERDE ETERNO, onde encontraria, na alameda condigna à sua espécie, um canteiro perpétuo”.

 

             O canto dos vegetais é um percurso, um diário de suas lamentações, que mescla a voz do narrador ao da natureza, é uma tentativa de ultrapassar a morte, seu limite orgânico e necessário. O objetivo aqui é essencializar a vida, já que esta é obscurecida pela morte. Os cantos ou contos deste livro espetacular são forças vegetais que buscam o consolo da perenidade que a literatura pode proporcionar.  Nos versos de Dickinson, temos: “Não nos atraem os Enigmas/Que pouco nos escondem - /Nenhuma coisa está mais morta/Que a surpresa de Ontem –“ As plantas querem sobrepujar o inelutável destino que lhes compete através desta memória de outras eras, que está inscrita nas suas formas. É triste o canto destas espécies como é triste a dor do ser em despir-se da vida para conquistar a morte – seu medo mais apavorante. Um vaso que cai com a planta ou a enxurrada das águas ou o vento, a pisada dos homens levam os vegetais para este limite que é uma agressividade à sua memória do futuro, um devir para a perenidade, que por estar além, apresenta-se aqui como uma utopia vegetal como são todas as utopias do homem, fadadas ao fracasso. Esta palavra, fracasso é o que define este universo frondoso das flores, árvores, plantas e todas as espécies do mundo vegetal.

 

            O título “Alameda” se oferece como caminho para a eternidade, um percurso para a imagem salvífica de algo que enfraquece as bordas e círculos do vazio, a morte.  A literatura serve como desafio a esta vida eterna. É pela linguagem, por seu canto lírico que o universo dos vegetais aqui em Astrid percebe que esta perenidade não é necessária e é só uma utopia desmentida pelos lindos cantos em prosa desta monumental obra de louvor à natureza, Alameda.  No magnífico livro “De Orfeu e de Perséfone – Morte e Literatura”, organizado por Lélia Parreira Duarte, temos no texto de apresentação da organizadora uma reflexão sobre a morte e a literatura, como se aquela fosse necessária para a construção do imaginário poético: “Sendo realização do que é impossível experienciar, ela se localiza num espaço que é como o do rumor que precede as palavras e que se encontra em seus interstícios: é deserto e exílio fora da terra prometida, errância, algo sempre por vir.”

 

            Percorrer os labirintos do universo vegetal parece-nos a sabedoria de uma voz que não se quer calar. Apesar da imobilidade e inércia deste mundo, como a escritora várias vezes salienta, é a mobilidade do mundo que o cerca que lhe dá o dinamismo necessário para suas revoluções, transformações e alterações, conduzindo a todos aos ciclos da vida e da morte. O homem altera o fluxo da natureza a partir de sua cultura, mas a natura responde com sua beleza e cânticos não transcendentais, mas mais do que imanentes. Aqui, neste livro de contos excepcional, temos o universo da vegetação como resposta à agressividade do homem, a delicadeza do vegetal se mostra como chuva, lágrima que percorre os olhos dos seres, a compreensão, dor e sofrimento de seu limite e da morte, que certeira transmuta tudo em vida artística, o belo no homem e na natureza, que aqui é transcrito a partir de belíssimos contos de Astrid Cabral, cantos à vegetação sempre presente na escrita, os papéis acorrentados de luto e introspecção.

 

             A malha fina e sensorial deste livro fenomenal percorre as veias líricas das plantas e seu universo particular, criando a unidade e semelhança entre ser e natureza, os mesmos ciclos de vida, morte e renovação: “No prato, as sementes velam pela laranja desaparecida e se prometem em vão repeti-la dentro em breve”. Resta aos homens e aos vegetais se aqueceram neste fogo do renascimento, que retarda a morte e a memória, o limite que a própria vida em sua multiplicidade impõe. A escrita é uma forma de salvação, de renovação que a excelente Astrid Cabral nos ensina, nós leitores e apreciadores de uma das obras de contos mais belas que este Brasil já viu. Um livro que pertence ao canto órfico da superação da morte a partir da linguagem e da necessidade daquela ao seu esvaziamento e sentido. Nesta terceira edição de 2014 pela Ibis Libris, o livro Alameda, que foi lançado originalmente em 1963, ganha novo corpo com uma capa belíssima, orelha de Fausto Cunha, apresentação da prima da autora, Leyla Leong, que é tocante e bela, e análise crítica do saudoso Antônio Paulo Graça. Este corpo teórico maravilhoso percorre os fios das palavras de Astrid e instigam à leitura desta obra fascinante pelo corpo dilacerado dos vegetais.

 

Link para compra do livro:

https://ibislibris.loja2.com.br/4757639-ALAMEDA

Mais informações sobre a autora:

https://malabarismospoeticos.blogspot.com.br/2016/03/a-brilhante-escritora-do-brasil-astrid.html

 

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